A Septuaginta, também conhecida como LXX, é uma antiga tradução grega do Antigo Testamento hebraico, realizada entre os séculos III e I a.C. Este artigo explora a origem, desenvolvimento e impacto dessa obra monumental no estudo bíblico e na cristandade.
1. A Origem da Septuaginta: A Necessidade de uma Tradução
A tradução da Septuaginta surgiu da necessidade dos judeus da diáspora, que viviam em Alexandria, no Egito, e falavam principalmente grego. Muitos desses judeus não entendiam mais o hebraico, a língua original dos textos sagrados. Segundo a tradição, Ptolemeu II Filadelfo, rei do Egito, solicitou uma tradução das Escrituras hebraicas para a Biblioteca de Alexandria. Essa demanda foi atendida por um grupo de 72 estudiosos, seis de cada tribo de Israel, que completaram a tradução em 72 dias.
A Septuaginta não foi apenas uma simples tradução, mas uma interpretação dos textos hebraicos. Os tradutores adaptaram certos termos e conceitos para que fossem compreensíveis no contexto cultural grego. Isso levou a algumas variações entre a Septuaginta e o texto hebraico original, conhecidas como “diferenciações textuais”.
Com o tempo, a Septuaginta ganhou aceitação entre os judeus helenísticos e, posteriormente, entre os cristãos. Ela foi amplamente utilizada pelos autores do Novo Testamento, que frequentemente citaram suas passagens. Esta tradução teve um papel crucial na disseminação das Escrituras judaicas no mundo greco-romano.
2. O Processo de Tradução: Metodologia e Desafios
A tradução da Septuaginta foi um projeto monumental que envolveu muitos estudiosos ao longo de vários anos. Cada livro foi traduzido separadamente, e diferentes tradutores tinham abordagens distintas. A diversidade de estilos e técnicas de tradução é evidente em toda a obra.
Os tradutores enfrentaram muitos desafios, incluindo a tradução de conceitos hebraicos únicos que não tinham equivalentes diretos no grego. Além disso, a tradução dos nomes divinos foi um tema particularmente sensível. Eles optaram por traduzir o nome de Deus, YHWH, como “Kyrios” (Senhor), um termo mais familiar aos leitores gregos.
A tradução foi feita com um profundo respeito pelo texto original, mas também com a necessidade de torná-lo acessível ao público grego. Por exemplo, termos específicos da lei judaica foram traduzidos de forma que os leitores gregos pudessem entender suas implicações.
O resultado foi uma obra que preservou a essência das Escrituras hebraicas enquanto as tornava compreensíveis para uma nova audiência. A Septuaginta, portanto, serviu como um ponto de conexão entre a cultura judaica e a grega, facilitando um maior entendimento e aceitação das Escrituras judaicas no mundo helenístico.
3. A Influência da Septuaginta no Judaísmo Helenístico
A Septuaginta teve um impacto profundo no judaísmo helenístico, influenciando a forma como os judeus da diáspora compreendiam e praticavam sua fé. A tradução permitiu que os judeus helenísticos acessassem os textos sagrados em sua língua cotidiana, facilitando a prática religiosa e a transmissão das tradições judaicas.
A Septuaginta também desempenhou um papel crucial na formação da identidade judaica no mundo helenístico. Ela ajudou a preservar a coesão comunitária, permitindo que os judeus mantivessem suas práticas e crenças religiosas mesmo vivendo em um ambiente culturalmente diferente.
Além disso, a Septuaginta influenciou o pensamento teológico judaico. Ao traduzir conceitos e termos hebraicos para o grego, os tradutores introduziram novas nuances e interpretações que enriqueceram a compreensão das Escrituras. Isso gerou um diálogo entre as tradições judaicas e helenísticas, contribuindo para um desenvolvimento teológico mais complexo e diversificado.
A Septuaginta também serviu como uma ponte entre o judaísmo e o cristianismo nascente. Muitos dos primeiros cristãos eram judeus helenísticos que usavam a Septuaginta como sua versão das Escrituras. Essa tradução facilitou a aceitação do cristianismo no mundo greco-romano, pois os textos sagrados estavam disponíveis em uma língua amplamente compreendida.
4. A Utilização da Septuaginta pelos Primeiros Cristãos
A Septuaginta foi amplamente utilizada pelos primeiros cristãos, especialmente pelos autores do Novo Testamento. Muitas das citações do Antigo Testamento encontradas nos escritos do Novo Testamento são derivadas da Septuaginta, evidenciando sua importância na formação da teologia cristã.
Os primeiros cristãos viram na Septuaginta uma ferramenta valiosa para a evangelização. A tradução grega das Escrituras permitiu que os missionários cristãos pregassem o Evangelho a uma audiência mais ampla, composta por judeus helenísticos e gentios que falavam grego. Isso facilitou a disseminação rápida do cristianismo no mundo greco-romano.
Além disso, a Septuaginta influenciou a exegese cristã. Os primeiros teólogos cristãos, como Orígenes e Agostinho, frequentemente recorreram à Septuaginta em suas interpretações e comentários bíblicos. A tradução grega ajudou a moldar a compreensão cristã das profecias messiânicas e das promessas divinas encontradas no Antigo Testamento.
A Septuaginta também desempenhou um papel importante nos debates teológicos entre cristãos e judeus. Os cristãos usavam a tradução grega para argumentar a favor de Jesus como o Messias prometido, enquanto os judeus rabínicos defendiam a interpretação do texto hebraico. Esses debates teológicos ajudaram a definir as diferenças e semelhanças entre o judaísmo e o cristianismo nascente.
5. A Septuaginta e a Formação do Cânon Cristão
A Septuaginta teve uma influência significativa na formação do cânon do Antigo Testamento cristão. Muitos dos livros incluídos na Septuaginta, mas ausentes do cânon hebraico, foram aceitos pelas primeiras comunidades cristãs e são encontrados nas Bíblias cristãs até hoje.
Os livros deuterocanônicos, como Tobias, Judite, e os Macabeus, fazem parte da Septuaginta e foram amplamente utilizados pelos cristãos primitivos. Esses textos enriqueceram a espiritualidade e a teologia cristã, oferecendo histórias e ensinamentos que complementavam as Escrituras hebraicas.
A aceitação da Septuaginta pelos cristãos também levou à sua preservação. Enquanto o judaísmo rabínico eventualmente rejeitou a Septuaginta em favor do texto hebraico, os cristãos continuaram a usá-la, garantindo que essa tradução sobrevivesse ao longo dos séculos.
A Septuaginta também influenciou a liturgia e a prática cristã. Muitas das orações e hinos usados nas igrejas cristãs primitivas eram baseados na tradução grega dos Salmos e outros textos litúrgicos. Isso ajudou a formar uma continuidade entre a adoração judaica e cristã, destacando a herança comum dessas duas tradições religiosas.
6. As Diferenças entre a Septuaginta e o Texto Massorético
Existem várias diferenças entre a Septuaginta e o texto massorético, a versão hebraica tradicional das Escrituras. Essas diferenças incluem variações no conteúdo, na ordem dos livros e na tradução de certos termos e passagens.
Uma das diferenças mais notáveis é a inclusão de livros deuterocanônicos na Septuaginta. Esses livros, que não fazem parte do cânon hebraico, são aceitos por muitas tradições cristãs e são encontrados nas Bíblias católicas e ortodoxas.
Além disso, existem variações textuais entre a Septuaginta e o texto massorético. Alguns versículos são traduzidos de maneira diferente, e em alguns casos, há passagens inteiras que aparecem em uma versão, mas não na outra. Essas variações refletem as diferentes tradições textuais e interpretativas que existiam no antigo mundo judaico.
As diferenças entre a Septuaginta e o texto massorético também influenciaram a exegese bíblica. Os estudiosos compararam as duas versões para obter uma compreensão mais profunda do texto original e de suas interpretações. Isso enriqueceu o estudo bíblico e permitiu uma análise mais detalhada das Escrituras.
7. A Rejeição da Septuaginta pelo Judaísmo Rabínico
No século II d.C., o judaísmo rabínico começou a rejeitar a Septuaginta em favor do texto hebraico. Essa rejeição foi motivada por várias razões, incluindo o desejo de se distanciar do cristianismo, que usava amplamente a tradução grega.
Os rabinos também estavam preocupados com as variações textuais e as interpretações que surgiram da tradução grega. Eles decidiram padronizar o texto hebraico, resultando na criação do texto massorético, que se tornou a versão oficial das Escrituras hebraicas no judaísmo.
A rejeição da Septuaginta levou a um cisma entre as tradições textuais judaicas e cristãs. Enquanto os judeus rabínicos se concentravam no texto hebraico, os cristãos continuavam a usar a Septuaginta. Esse cisma ajudou a definir as identidades religiosas distintas do judaísmo e do cristianismo.
Apesar da rejeição, a Septuaginta continuou a ser uma obra influente no estudo bíblico. Sua importância histórica e teológica é reconhecida por estudiosos de ambas as tradições, e seu legado perdura na exegese e na prática religiosa.
8. A Redescoberta e o Estudo Moderno da Septuaginta
No século XIX, a Septuaginta foi redescoberta pelos estudiosos ocidentais, levando a um renovado interesse e estudo dessa antiga tradução. A descoberta de manuscritos antigos, como o Códice Alexandrino e o Códice Vaticano, proporcionou uma nova visão sobre a história e a composição da Septuaginta.
Os estudos modernos da Septuaginta se concentraram em sua relação com o texto hebraico e em sua influência na teologia cristã primitiva. Os estudiosos analisaram as variações textuais e as nuances linguísticas para entender melhor como os tradutores gregos interpretaram os textos hebraicos.
A redescoberta da Septuaginta também teve um impacto significativo na crítica textual e na exegese bíblica. Comparar a Septuaginta com o texto massorético e outros manuscritos antigos ajudou os estudiosos a reconstruir o texto original das Escrituras e a entender melhor suas diversas tradições interpretativas.
Além disso, o estudo da Septuaginta lançou luz sobre a história da tradução bíblica e sobre como as Escrituras foram transmitidas e preservadas ao longo dos séculos. Essa pesquisa continua a enriquecer o entendimento das origens e do desenvolvimento da Bíblia.
A Atualidade da Septuaginta
A Septuaginta continua a ser relevante no estudo bíblico contemporâneo. Ela oferece uma janela para o mundo judaico helenístico e para a formação do cristianismo primitivo. Seu legado perdura na exegese bíblica, na liturgia cristã e na compreensão das tradições textuais. Ao explorar a Septuaginta, podemos aprofundar nosso entendimento das Escrituras e apreciar a rica herança de fé que nos foi transmitida.
Referências Bíblicas
A Septuaginta é frequentemente citada no Novo Testamento, refletindo sua influência duradoura. Aqui estão alguns exemplos:
Mateus 1:23: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado de Emanuel”, uma citação de Isaías 7:14 na Septuaginta.
Atos 7:14: “Então José mandou chamar seu pai Jacó e toda a sua família, setenta e cinco pessoas ao todo”, citando Gênesis 46:27 na Septuaginta.
Hebreus 10:5: “Por isso, ao entrar no mundo, Cristo diz: ‘Sacrifício e oferta não quiseste, mas preparaste um corpo para mim'”, uma citação do Salmo 40:6-8 na Septuaginta.
Essas citações mostram como a Septuaginta influenciou a redação e a teologia do Novo Testamento.
Perguntas e Respostas: A Septuaginta
- O que é a Septuaginta?
A Septuaginta é uma antiga tradução grega do Antigo Testamento hebraico, realizada entre os séculos III e I a.C. - Por que a Septuaginta foi criada?
Ela foi criada para atender a necessidade dos judeus da diáspora que falavam grego e não entendiam mais o hebraico. - Quem solicitou a tradução da Septuaginta?
Ptolemeu II Filadelfo, rei do Egito, solicitou a tradução para a Biblioteca de Alexandria. - Quantos estudiosos participaram da tradução da Septuaginta?
Segundo a tradição, 72 estudiosos participaram da tradução. - Como a Septuaginta influenciou os primeiros cristãos?
A Septuaginta foi amplamente utilizada pelos primeiros cristãos e citada no Novo Testamento, facilitando a disseminação do cristianismo. - Quais são as principais diferenças entre a Septuaginta e o texto massorético?
Existem variações no conteúdo, na ordem dos livros e na tradução de certos termos e passagens entre a Septuaginta e o texto massorético. - Por que o judaísmo rabínico rejeitou a Septuaginta?
O judaísmo rabínico rejeitou a Septuaginta no século II d.C. para se distanciar do cristianismo e padronizar o texto hebraico. - Qual é a importância da Septuaginta no estudo bíblico moderno?
A Septuaginta é importante para a crítica textual e a exegese bíblica, ajudando a entender as tradições textuais e interpretativas das Escrituras.
André Limeira é um estudioso da Bíblia, conhecido por sua capacidade de desvendar e transmitir as complexidades das Escrituras de maneira clara e aplicável. Seu compromisso com a educação espiritual e sua paixão pelo ensino bíblico são fontes de inspiração para todos aqueles interessados em aprofundar sua fé e conhecimento.